Foto mostra garrafa e xícara de café

Café: de hábito diário a item de luxo

Nos últimos 12 meses, o preço do café moído subiu 77%. Entenda o que tem impactado o aumento desse item indispensável na mesa dos brasileiros

Por Amanda Stabile

03|07|2025

Alterado em 03|07|2025

Se você sentiu o cafézinho pesar no bolso nos últimos meses, saiba que não está sozinha. O preço do café moído subiu 77% nos últimos 12 meses, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Isso quer dizer que, se um pacote custava R$ 20 no ano passado, hoje está perto de R$ 35,40. Desde o começo de 2025, o aumento já passa de 30%.

“Esse aumento do café nos últimos tempos tem influenciado bastante na minha decisão de compra”, conta a recepcionista Luanna Alves. A bebida faz parte de sua rotina, é um costume de família.

“Eu gosto muito desse momento de sentar para tomar um cafezinho e bater um papo com o meu esposo, conversar sobre o dia a dia, as questões da casa, família, filhos. Então faz parte da nossa rotina. Quando não tem um cafezinho, é como se tivesse faltando alguma coisa”, aponta.

Porém, os atuais preços a levaram a fazer algumas alterações nesse costume. “Confesso que para minha casa mesmo eu compro o café solúvel, que é um pouco mais econômico. Eu faço só uma xícara e tomo. Essa foi a maneira que eu encontrei de economizar e não deixar de ter o cafezinho”.

De acordo com reportagem da BBC, não é só o Brasil que tem sofrido com o aumento do preço, mas o mundo todo. Dentre os principais motivos estão os impactos das mudanças climáticas nas regiões que mais produzem café, como Brasil e Vietnã.

No Brasil, o maior produtor de café arábica (usado nas casas e por baristas), o setor foi afetado por vários eventos climáticos seguidos, como:

Essa escassez de grãos fez com que os compradores procurassem países como o Vietnã, o principal produtor de grãos robusta (mais forte e com mais cafeína), que são normalmente usados ​​em misturas instantâneas. Porém, os produtores de lá enfrentam a pior seca em quase 10 anos.

Assim, com pouco café para vender e muita procura pelo produto, o preço aumenta no mundo todo. Além disso, ainda segundo o IBGE, o Brasil vai produzir menos nesta safra — cerca de 6% menos do que na anterior.

Isso significa que, se no ano passado foram colhidas 100 sacas de café, neste ano vão ser só 94. Essa queda é ainda maior no tipo de café que a gente mais consome no Brasil, o arábica, que deve diminuir 11%. Ou seja, se tinham 100 sacas de arábica, agora vão ser só 89.

“Não é justo que um país que é um dos maiores produtores e exportadores de café tenha esse produto com valores tão absurdos”, comenta a técnica de enfermagem Camile Vitória. A moradora de Suzano (SP) conta que, na sua região, uma embalagem de 500g tem chegado a custar cerca de R$ 45.

“Não consigo nem contar quantas vezes fui ao mercado e não comprei café — mesmo sabendo que não tinha mais em casa — porque estava muito caro no supermercado”, confessa. Às vezes ela pesquisa em outros mercados, em outras, compra uma marca alternativa e mais barata.

Para ela, quando o café encarece, mexe com o cotidiano, com o conforto e com a rotina dos brasileiros por vários motivos, dentre eles pelo valor cultural e emocional. “Eu vejo o café como uma lembrança positiva e isso faz parte da vida da maioria das pessoas aqui no Brasil. O café está presente em praticamente tudo: no café da manhã, da tarde, na pausa no trabalho, nas conversas e reuniões. Ele é esse símbolo afetivo”, aponta.

Outro agravante é o aumento de 224% no custo para produção do café, ainda segundo o IBGE. Dessa forma, o produto fica mais caro para o produtor e, no fim, esse aumento acaba chegando no preço que pagamos nos mercados.

Isso quer dizer que, se antes um produtor gastava R$ 100 para cuidar da plantação, agora ele precisa gastar R$ 324 para fazer a mesma coisa. Isso acontece por causa do aumento no preço de tudo o que o produtor usa, como fertilizantes, máquinas, combustível e até embalagens.

Para a jornalista Hellowa Correa, moradora do Rio de Janeiro (RJ), para mudar esse cenário é essencial a criação de políticas públicas, especialmente voltadas à agricultura familiar. “É preciso pensar em formas de garantir itens como café, arroz e feijão fora da lógica de mercado internacional. Que essas produções estejam voltadas para o abastecimento interno, com preços justos, acessíveis, e que garantam segurança alimentar de verdade”, pontua.

Hellowa conta que sempre amou café, embora, atualmente, tome com menos frequência por estar passando pela menopausa. Ela associa o café a momentos de encontro, afeto e cultura. Começou a tomar café já adulta, influenciada por ambientes de trabalho e por uma professora do ensino médio cuja casa frequentava com frequência.

Atualmente, como mora sozinha, consome pouco café e consegue investir em cafés de melhor qualidade. “Só que eu tenho consciência de que essa não é a realidade da maioria dos brasileiros. Eu moro sozinha, consumo pouco. Mas a maior parte das pessoas vive com a família, todo mundo toma café, e isso pesa muito mais. É realmente algo extremamente preocupante”, aponta.

Com olhar de pesquisadora, Hellowa conecta essa realidade ao funcionamento da economia brasileira. Cita a Teoria Marxista da Dependência, elaborada por Teotônio dos Santos, Ruy Mauro Marini e Vânia Bambirra, para explicar como o Brasil, mesmo após a independência, permanece preso a uma lógica colonial — exportando matérias-primas e importando produtos industrializados.

“No nosso caso, produzimos gêneros alimentícios que são considerados commodities — como café, cacau, soja… Mas essa produção não é voltada para abastecer a população brasileira. O agronegócio no Brasil é voltado para exportação. E, por isso, os preços desses produtos oscilam conforme o mercado internacional, e não com base na realidade e nas necessidades das pessoas que vivem aqui”, denuncia.

Para a jornalista, isso é especialmente grave quando se trata de um item como o café, tão presente no cotidiano e na cultura alimentar brasileira.

Comida é cultura. Comida é hábito. E o café, nesse sentido, é insubstituível.

Mesmo caro, o café segue firme na rotina brasileira

Mesmo com a alta nos preços, os brasileiros não deixam de consumir café. Pelo contrário, aumentam o consumo. É o que mostram os dados da Associação Brasileira da Indústria do Café (Abic) divulgados em fevereiro de 2025. De novembro de 2023 a outubro de 2024, por exemplo, o consumo do produto aumentou 1,1% em relação ao mesmo período anterior. 

O café só perde para a água como a bebida mais consumida no Brasil. Uma pesquisa feita pelas marcas Pilão e L’OR, junto com o Instituto Aocubo, mostrou que os brasileiros tomam, em média, de três a quatro xícaras de por dia. A bebida está presente em praticamente todos os lares brasileiros: 98% das casas consomem a bebida, segundo a pesquisa.

Outro levantamento, feito pela Associação Brasileira da Indústria de Café (Abic) com o Instituto Axxus, mostra que 29% dos consumidores tomam mais de seis xícaras de 50 ml de café diariamente, enquanto 46% consomem entre três e cinco.

Durante a pandemia, a maior parte do consumo acontecia dentro de casa. Mas em 2023, com a volta ao trabalho presencial, o café passou a ser mais consumido no ambiente de trabalho do que em casa.

Inaê Santiago, paraense que mora em São Paulo há 16 anos, conta que o café faz parte de sua rotina diária, especialmente pela manhã. Também é uma memória afetiva: “Quando morava com minha família em Belém, meu tio acordava muito cedo para fazer o café para todo mundo. Ele sempre preparava um café mais fraco, que é o que eu gosto até hoje”.

O aumento recente no preço do café também tem afetado suas compras, mas, para ela, o impacto vai além do bolso — está ligado ao significado simbólico do café na cultura brasileira. “O café faz parte do nosso dia a dia e da nossa história. Ao longo dos séculos, muita propaganda incentivou o consumo para ajudar a gente a enfrentar a rotina de trabalho e estudo, além de reforçar o café como símbolo de encontro, de reunir a família e receber pessoas em casa”, explica.

Ela observa que, para quem consome muito, o gasto com café pode ser bastante elevado: “Um pacote pode durar apenas uma semana, dependendo da quantidade consumida. É uma bebida fácil de preparar e muito consumida ao longo do dia, então é difícil abrir mão”.

Esse equilíbrio delicado entre o valor afetivo e cultural do café e o aumento do preço faz com que muitas famílias tenham que repensar seus hábitos, buscando alternativas para manter o ritual do cafezinho diário sem comprometer o orçamento. Afinal, para o brasileiro, mais do que uma bebida, o café é uma companhia constante — e seu valor vai muito além do preço na prateleira.